terça-feira, 27 de maio de 2014

Dança de cigana - Parte III

Toda feita de luz

fonte da imagem: galeriadefotos.universia.com.br/uploads/2014_02_27_16_04_340.png

   Passei a noite relembrando aquele nosso encontro de fim de tarde, tudo aleatório, como foi a primeira vez que a vi. Lembrei seus olhos, sua boca, uma sedução só. Quase não dormi e quando enfim consegui foi com ela que sonhei.
   Ela estava sentada numa cadeira, com uma roda de amigos nossos, e eu em pé, atrás dela, tocando seus ombros, como numa massagem. Eu já vinha há alguns dias tentando beijá-la, mas sem êxito, ela sempre brincando comigo, sempre me colocando na sua dança. Seus olhos não escondiam o divertimento que era essa brincadeira, esse passo envolvente, e eu sempre entrava nele. Até nos sonhos.
   Passou-me mais um dia e eu ainda não sabia um meio de encontrá-la que não fosse ao acaso. Não por ser ruim os encontros do jeito que são, mas depender de um evento aleatório para rever aqueles olhos era deveras decepcionante. Eu caminhava pelos lugares onde a vi da última vez, na esperança de conseguir algum meio de vê-la, nem que fosse uma brincadeira do meu cérebro, ou outro déjà vu.
   Noutra noite de sonhos belos, com aquelas estrelas castanhas iluminando a escuridão, seu rosto me apareceu como o do Gato de Cheshire*, mas com olhos castanhos. Seu sorriso chegava a paralisar o meu funcionamento cerebral, e eu perdia todo o controle da respiração e das batidas do coração.
   Eu seguia aqueles olhos onde quer que estivessem indo. Sabia que ela estaria lá comigo, não importando onde desse aquele caminho. De repente, como que um relâmpago iluminando a noite, ela se fez luz na minha frente. Sua boca em forma de beijo me convidava a entrar naquela dança, naquela sedução. Eu ainda imaginava qual seria o gosto daquele beijo. 
   Ao seu redor tudo começava a se iluminar, tanto pelo brilho dos seus olhos, como de toda a luz que era ela. Aproximei-me devagar, o corajoso eu, enfrentando todo aquele brilho, minha visão quase cegando perante ela, toda luzes e branca, com seus olhos castanhos. Peguei sua mão e seu toque era como porcelana, frágil, delicado, cheguei mais perto e encostei minha boca na dela. Podia não ter sabor nenhum, mas o toque de seus lábios, macio, suave, era de uma leveza tão grande, que nem percebi quando acordei em minha cama. Na minha mente, só a lembrança dela, e ela toda luz. Toda feita de luz.





*Se você não sabe quem é, tá na hora de rever um dos clássicos da infância de muita gente: Alice no País das Maravilhas.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Olhos felinos (Meu Capitão)


Quando me olham, paraliso
Me perco no tempo, sem aviso

"Oh!, Capitão, meu capitão"*:
Permita-me vê-los em sonhos
E nos dias enfadonhos
"Oh!, Capitão, meu capitão"...

Tão estreitos, pequeninos
São seus, os olhos felinos

"Oh!, Capitão, meu capitão"
Não me deixe morrer antes de ver
Esse brilho nos olhos me enternecer
"Oh!, Capitão, meu capitão"...

Todo um castanho misterioso
Junto ao teu riso, todo gostoso

"Oh!, Capitão, meu capitão"
Permita a mim ouvir outra vez
Essa risada de embriaguez
"Oh!, Capitão, meu capitão"...

Oh, Capitão, querido capitão
Vais me permitir, sim ou não?

Pois ele (o amor) se apresentou
E causou seu efeito
E só de amor o
amor é feito.

"Oh!, Capitão, meu capitão"
Fica aqui o meu apelo
Capitão, Oh!, meu capitão...




*Frase citada no filme "Dead Poets Society" (Sociedade dos Poetas Mortos) pelo prof. John Keating, interpretado pelo grande Robin Williams. 

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Dança de cigana - Parte II

Um mistério à parte


fonte da imagem: http://tulipasnajanela.blogspot.com.br/2011/04/eu-amo-beleza.html

   Ainda estou alucinado com o que me aconteceu ontem. Eu a encontrei por acaso na rua e fiquei chocado com a sensação de déjà vu percorrendo meu corpo.
   Ela vinha na direção contrária, descendo a rua com umas amigas. O sol estava se pondo atrás de mim, brilhando seu fogo naquele castanho derretido que eram os olhos dela. Quase incendiavam o próprio sol. Ela lançou-me um sorriso de canto de boca e a minha mente inundou-se com lembranças desses momento que acabara de acontecer. 
   As cores e círculos do seu vestido começaram a confundir e fazer girar minha cabeça, e tudo piorou quando olhei seus olhos: eles pegavam fogo! "Amanda", sussurrei seu nome para mim mesmo de dentro da minha cabeça. Era eu lembrando a mim desse encontro e antes de ele terminar, já o tinha visto passar todo por trás dos olhos. Já o tinha envolvendo minha mente.
   Foi então que, tirando-me da lembrança daquele momento, o qual acabara de acontecer, ouvi uma voz chamar: "Amanda!" E ela virou a fim de ver quem chamava seu nome. Seu olhar brilhava intensamente, como o próprio sol, ou até mais. Eram duas bolas de ouro derretido. Sua mão me acenava e só então percebi: eu tinha dito o seu nome. Fora eu quem a chamou. Mas como, se a única vez que a vi foi naquele show? Como eu saberia o nome daquela garota? E por qual motivo ela não estranhou eu o saber, se não tinha perguntado? 
   Ela tinha esse olhar misterioso, algo em seu sorriso me remetia a um lugar cheio de paz, uma viagem. Era como se eu vivesse minha própria vida diversas vezes, em um ciclo eterno, onde cada déjà vu tentava me fazer recordar (e acordar) à uma realidade diferente dessa que vivemos. E ela... ela parecia saber de tudo, porque continuava brincando.
   Quando voltei dos meus devaneios a noite já tinha caído e ela não estava mais ali. Ela, com aqueles olhos castanhos, tão lindos quanto os verdes e azuis. Claros, escuros, quentes ou frios. Os dela eram incandescentes, eram dois faróis os olhos dela. Ela, um mistério à parte.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

As fases de Amanda: Fazendo contato

Parte I
Fonte da imagem: http://neoqeav-ira.blogspot.com.br/2011/02/ha-uma-mulher.html

   Deitada na cama, Amanda ouvia suas músicas no fone e, como sempre fazia, dançava por todo o quarto. Pulava na cama, no chão, ia até a janela e olhava para a rua e depois para a lua. Lembrou-se então do convite de suas amigas prum show na praça e decidiu se arrumar.
   Escolheu a roupa que iria: short curto e uma blusa, até porque não era nenhum evento especial ou de família, assim não precisaria de tanto luxo. Pegou a toalha e entrou no banheiro, ainda dançando com a música em seus ouvidos. Tirou os fones e deixou Smiths tocando num criado mudo ao lado da banheira, onde a água já enchia o espaço vazio.
   Tirou a roupa devagar, deixando escorregar o short que estava usando. Seu corpo alto, magro e nu na frente do espelho revelava algumas marcas do passado que Amanda preferia não lembrar. Seu quadril não era tão largo, e isso era estranho, tendo ela uma idade onde o corpo já está bem formado, além também dos seios pequenos. Seu cabelo longo e liso poderia escondê-los se colocados para frente.
   Entrou na banheira e deitou seu longo corpo ao fundo, sentindo-se relaxar pela água fria. Prendeu a respiração e mergulhou a cabeça, encharcando todo o seu cabelo castanho. Brincava com a água, fazendo ondinhas para lá, para cá... esquecendo-se do tempo enquanto relaxava no banho. Depois de se ensaboar, esfregando com uma esponja suas pernas, braços, etc. e lavado o cabelo, levantou-se, deixando escorrer por suas poucas curvas os problemas que desciam junto com a água. Arrepiou-se com um vento frio vindo lá de fora e se lembrou da janela aberta.
   Ela recordou então o pesadelo tido há alguns meses, onde um homem de olhar fundo aparecia na janela e a voz dele no celular ainda era clara: "não quer dançar comigo, Amanda?", então veio a cabeça o encontro deles dois na festa. Será que ele a encontraria de novo? Estaria ele esperando por ela em alguma esquina? Já fazia tanto tempo desde a última vez... ela torcia pra resposta ser 'não'. Enfim puxou a toalha e se enxugou, enrolando-a a seu corpo, depois pegando outra para enrolar o cabelo e foi pro quarto. Depois de pronta, Amanda pegou o celular e avisou às amigas: "to descendo, té la."
   Dançava com as amigas, seu cabelo longo balançando e uma taça de Vodka Martini na mão. Sentiu seu celular vibrando na bolsa e o retirou, tendo um súbito pavor ao lembrar da última vez que recebeu sms numa festa. "Não é ele, Amanda. Ele sumiu, foi embora!" Mas ela não podia saber se ele tinha realmente sumido, se a tinha deixado em paz. Sentiu a respiração ofegar e começou a olhar para os lados. Nem tinha lido a mensagem ainda, talvez nem quisesse ler, só esquecer aquele medo e ir se divertir. Infelizmente para Amanda, sua curiosidade era maior e ela abriu a mensagem: "Voce esta linda Amanda :)". Foi o bastante pra o pânico subir em seu peito e seus olhos saltarem de canto a canto na festa, procurando quem poderia ter enviado a mensagem.
   De repente ela viu: um homem de olhos fundos com um celular na mão, não muito longe, olhava fixamente pra ela, sorrindo friamente. Ele pareceu notar os olhos nervosos de Amanda quando encontraram os dele, pois começou a traçar o caminho até ela, que, amedrontada, chegou perto da sua amiga, dizendo: "meu Deus, o creepy está aqui." Amanda levou suas amigas para outro lugar, esperando assim fugir do homem que há tempos a assustava e conhecia seus passos. Por um momento conseguiram despistá-lo, mas, então, uma voz rouca soava em seu ouvido: "Você tem medo de mim, Amanda?"

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Dança de cigana - Parte I

A moça dos olhos de ouro

fonte da imagem: http://jconsultoriadecosmeticos.blogspot.com.br/

   A primeira vez que a encontrei foi numa noite de festa, quando seus grandes olhos perdidos na multidão fitaram os meus por acaso. Isso foi o suficiente pra eu querer conhecer aquela garota. Por algum tempo seus olhos não saíram da minha lembrança, seu brilho esquentando minha noite fria. 
   Nem me lembro quantas cervejas tomei com os amigos, todos dizendo pra eu esquecer, que talvez nunca mais eu a encontraria. Podia ser, mas, aquele castanho claro, vívido, de seus olhos, não me deixaram ficar quieto. Eu a procurei pela festa ainda muito tempo, imaginando que gosto teria sua boca, seu corpo. Ela me olhou ou só me viu? Não poderia saber nunca disso, a não ser que a encontrasse.
   Mais um feixe de luz e lá está ela novamente: entre os grupinhos de jovens, destaca-se aquela moça alegre, com um sorriso no rosto e seus olhos reluzentes, procurando, quem sabe, um par de olhos também castanhos, mas frios. Dança com as amigas, segurando um copo do que parecia ser vodka, ou outra bebida sem cor. Perdi-a de vista quando um cara bêbado esbarrou em mim, mas podia jurar que, em um último relance, ela também me viu e me lançou um olhar misterioso, sedutor.
   Começa a chover e, para minha surpresa, oh!, pra quê esconder a emoção sentida? Oh!, para minha doce surpresa, ela me fitava não de muito longe. A chuva a deixava mais misteriosa, mais bela, com seus olhos ardentes. Dei dois passos a frente e a vi se perder de novo entre as vívidas pessoas dançantes e, só ali, dei-me conta: ela brincava comigo. Seus olhares furtivos, seu sorriso, seus passos pra me evitar, pra me convidar a entrar no seu mundo, eram quase uma dança. E eu estava entrando no passo, no compasso daquela moça sem nome. A moça dos olhos de ouro.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Será se sou?

Eu quero ser a tristeza no papel manchado de alguém
Ser a foto no porta retrato despedaçado de outrem
Uma gota pingada no olho da menina
colírio, alívio, um ombro pra secar lágrimas

Quero estar na rima do poema dela
Na luz da grande bola amarela
Ser a onda na sua indecisão
Será que eu vou ou não?

Também ser o cara triste no buzão
Aquele que brigou com a razão
Leva, no peito, um partido coração
Será que eu sou, ou não?

Serei
sereno
se
souber
se
sou.