quarta-feira, 24 de abril de 2013

Matteo


Não sei se essas pessoas que dizem conversar com deus escutam alguma resposta, mas eu já tentei, meu amigo, sim eu tentei muito, e nunca ouvi nada de volta. Até que desisti. Matteo estava sentado embaixo de uma lona, esperando a chuva passar para que pudesse voltar pra sua casa e despistar os dois homens que o perseguiam. Ele sabia que sua grande língua ainda o colocaria na fogueira se não a controlasse.
Em plena Roma, país de maioria católica, ele dizer que não acredita em Deus, e que não existe paraíso e nem inferno. "Saia daqui, seu herege!" disse um homem, e outro se junto a este e disse: "seu lugar é no inferno!" Enquanto saía passo a passo da la taberna os homens riam e gritavam para ele ir logo, mas quando chegou na porta virou e disse: "vocês não seguem o seu deus, vocês correm atrás de sua religião. O velho que está sentado naquele trono no Vaticano diz ser representante divino, mas tudo que ele faz é se aproveitar da vossa ignorância", fez uma reverência e saiu. Os homens olharam feio e um deles deu um passo na direção da porta, sendo seguido pelo outro, no momento seguinte já estavam correndo atrás dele pelas ruas sujas de Roma, cheias de órfãos e pedintes. A chuva não estava ajudando muito, o que também era bom, vendo que também atrapalhava os outros dois. Entrou em uma ruela e se escondeu embaixo de uma lona e viu os dois homens passando direto. Cegos, como eu imaginei. 
Ficou ali até que a chuva parasse e seguiu seu caminho para casa. No meio dele percebeu que alguém o observava atrás de uma das colunas do Panteon di Agrippa. Parou e virou o o rosto, e lá estava ela: uma mulher coberta por um manto que caía até a anca, que cobria seu vestido rubro e um capuz que cobria parte de seu rosto. "Ora, ora, o que faz uma mulher a seguir um homem a essa hora?" E ela o respondeu: "queria ver até onde iria um homem sem Deus." Ele deu uma fungada e então se lembrou. Mas é claro, ela estava lá também, agora me lembro. E ele disse: "Então você também estava lá?" Com um sorriso ela confirmou e o convidou para um passeio, e mesmo sabendo que poderia voltar a encontrar aqueles dois pelo caminho, algo o prendeu nela, e ele aceitou.
"Mas, conte-me, quando você passou a não acreditar em Deus?" Matteo ficou surpreso com a forma que a pergunta veio, sem rodeios. Deu uma risada e pensou um pouco, até que formulou a resposta e falou: "eu já rezei muito, sabe? Mas não obtive nenhuma resposta." "Já pensou que você pode apenas não ter compreendido a resposta?" Ela quer mesmo saber, pensou. "Eu vejo todas essas pessoas que esperam por alguma intervenção divina, rezando e sendo pacientes, e tendo suas esperanças alimentadas pela ignorância de que só um deus salva, e que quem não se curvar diante dele ou do papa vai queimar no fogo do inferno. São aconselhados a sempre pedir e agradecer. Vivem pedindo por proteção, tanto para eles quanto para os que amam, mas eles mesmo não se protegem." Seu rosto podia ter sido feito em mármore naquele momento, e seus olhos miravam o vazio, e continuou: "depois que eu percebi que o que importa é eu ir atrás do quero, não precisei mais pedir a nenhum deus, não ouvi nenhuma resposta." Ela sorria quando ele terminou de falar, olhando para ele, disse: "e quanto a não existir Paraíso ou Inferno, o que você quis dizer?"  "Quis dizer o que disse, oras. Que não existe paraíso ou inferno, nem deus ou o demônio. Eles são como dois lados da mesma moeda, e é você quem decide para onde vai, jogando-a para cima."
Quando menos percebeu, eles já estavam na porta de sua casa e a mulher se despediu com um beijo na bochecha barbuda dele. "Cuidado com esse seu pensamento, aqui em Roma poucos o apreciam. Deveria visitar Florença algum dia, lá você não será perseguido ou condenado por não acreditar em Deus." Dito isso, ela se virou e voltou às sombras das ruelas romanas. Matteo entrou e foi para seu quarto, encontrar-se com seus sonhos.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

As fases de Amanda: um pouco do outro lado


Ele estava sentado num banco sob uma árvore, observando. Vez e meia olhava as horas no seu Chopard e então voltava a observar a rua. Às vezes parecia impaciente, pegava o celular e ia passando as fotos, analisando cada uma por um tempo. Não fazia barulho, tanto que as pessoas quase não o notavam ali. De repente ele se pôs de pé, como se alguém o tivesse chamado, mas ninguém o chamou. 'Chegou a hora', pensou, começando a procurar o número dela no seu celular. Quando a viu saindo da escola um sorriso se formou em seus lábios, e seus olhos fundos pareciam queimar de excitação, observando atentamente cada passo que Amanda dava em direção à parada de ônibus.
Enquanto digitava uma mensagem, não tirava os olhos dela, adquiriu essa habilidade de tanto a repetir, e então enviou: 'voltando pra casa agora amanda?' Esperou um pouco, sempre mantendo os olhos nela, e viu quando a mensagem foi recebida: ela tirou o celular da bolsa e enquanto lia olhava para todos os lados, a fim de tentar encontrar quem tinha enviado a mensagem, mesmo sabendo que seria inútil. Seu sorriso ficou maior a cada minuto que ele a via ali, sem saber pra onde olhar e assustada com aquela mensagem que não sabia de quem era.
A noite havia caído e a luz da lua era de uma beleza gigantesca. O vento frio soprava não muito forte, mas forte de mais para ser uma brisa, e levava os cabelos de Amanda pra trás, e ah, como ela gostava daquilo. As luzes da casa de shows quase a cegaram quando ela entrou e procurou alguém conhecido lá dentro, só pra não ficar sozinha. Não queria nem ter saído de casa, mas era a festa de sua prima, e ela não quis faltar. Usava um vestido branco e salto não muito alto, e luvas de seda branca e cetim. Quando enfim encontrou alguns amigos sentou com eles e conversou e riu com eles. Dançou pouco, gostava mais de dançar sozinha, quando ninguém mais podia vê-la errar alguns passos e cair de bunda no chão.
Seu celular vibrou e ela abriu a bolsa para pegá-lo, temendo que fosse o número estranho que a mandara mensagem mais cedo, e que sempre a deixava louca, olhando para todos os lados procurando alguém que pudesse estar vigiando. E era. E a mensagem a fez relembrar um sonho seu que lutava para esquecer de vez: 'você está linda hoje Amanda. ñ quer dançar comigo?' Ela sentiu um arrepio passar por todo o seu corpo e seus olhos viravam para todos os lados, como se tivessem vida própria.
Levantou-se e só não corria porque não havia muito espaço, mas estava indo em direção à porta, quando de repente alguém tocou em seu braço: todos os seus medos não foram iguais ao que ela sentiu nesse momento, mas quando virou o rosto e viu que era apenas um de seus amigos, ela correu e se aninhou no peito dele.
Depois que a deixaram em casa, agora mais calma, ela foi direto pro quarto e pulou na cama, nem sequer tirou o vestido. Enfiou a cara no travesseiro e foi dormir, torcendo pra não sonhar.


Imagem disponível em: http://www.percepolegatto.com.br/2011/12/25/memorias-de-gentis-predadores/

domingo, 7 de abril de 2013

As fases de Amanda



Eram três da manhã, mas Amanda ainda estava acordada. Não sentia sono, como na maioria das madrugadas que passava em claro. Seu vício por séries e livros a deixava sempre querendo ver mais um episódio ou ler mais um capítulo, e mais um, mais um... Quando estava na escola, só pensava em voltar pra casa e dormir. Sentava sempre no lugar mais frio e afastado da sala, falava pouco e se sentia bem assim. Da janela do seu quarto via a rua vazia, uma árvore velha e a lua cheia: uma enorme e amarela bola no céu. E ficou admirando aquela lua, talvez pensando como seria a vida lá, ou refletindo se o homem realmente pisou nela. Abriu um pouco a janela e a brisa da noite entrou no seu quarto. Gostava de sentir o vento em seu rosto, dava um pouco mais de alegria, ou uma sensação de prazer, não saberia definir, mas gostava. Às vezes botava pra tocar Smiths ou Barão e ficava dançando a música que tocava dentro dela, nos fones em seus ouvidos, e sorrindo, acompanhando cada letra e deixando se levar pelas melodias.
Seu celular tocou e assim que o pegou, Amanda gelou: número desconhecido. Quem ligaria àquela hora para ela? De certa forma uma adrenalina subiu por todo o corpo dela, não queria atender mas era como se ouvisse um chamado, algum tipo de feitiço que ela gostava de sentir. Por um longo momento ficou ali parada ouvindo o toque do celular. Quando enfim atendeu, um sussurro rouco se fez ouvir: "não quer dançar comigo, Amanda?" Quando olhou para a janela, viu um homem de olhos fundos sorrindo para ela.
Então de um pulo Amanda levantou da cama e percebeu que tudo não passara de um sonho. Sua respiração estava ofegante, e ela não conseguia tirar aquela voz da cabeça. E nem a frase que ela dizia. Tentando esquecer aquele sonho que de agradável passou a assustador, ela foi tomar um banho quente. Enquanto tirava a roupa lembrou da voz e sentiu todos os pelos do corpo se eriçarem, como se ao mesmo tempo sentisse terror e excitação em ouvi-la. Colocou um cd pra tocar, a fim de tentar esquecer tudo aquilo e entrou na banheira. Mas a única música que conseguia ouvir era a frase que estava em sua cabeça: "não quer dançar comigo, Amanda?"


Imagem disponível em: <http://www.panoramio.com/photo/69446907> e tirada por Beth Costa.