domingo, 29 de setembro de 2013

O meu bem-estar


Se for ficar longe, fica só um pouquinho.
A saudade é saudável, como o vinho, se
tomado só um copo por dia.
Todavia, todo o dia tua ausência causa azia.

E o aviso da tua volta é como um eno que
se essssssspalha pelo meu corpo e dissolve
o pó da alegria, mandando embora toda a
fadiga que o teu não estar me causa.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Pois vem!

Vem, sem rodeios, e me toma para ti
mas como tomar o que já é teu por inteiro?
O que já é teu por direito (do amor)

Chega devagar e me olha bem nos olhos.
Cobre-se comigo ou me descobre o lençol,
tanto faz para mim, apenas venha.

Vem e me arranca dessa cama
ou se joga, de preguiça, para mim que o dia raiou agora
e temos ainda tempo, aqui dentro (e lá fora)

Vem e me enaltece a manhã
vem me beijar com sua boca de hortelã*
de menta,
de café,
de seiva fresca,
de romã.



* em referência à canção de Chico Buarque: Cotidiano.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Voltei àquele lugar


Voltei hoje àquele lugar. Aquele mesmo, lembra?
O que costumávamos ir quando juntos...
Fui e relembrei de como era te esperar.

 E então em minha mente te visualizei dobrando a esquina
e vindo para mim, passo a passo, sorrindo já de longe.

Seu corpo cada vez mais perto, num balanço suave.
Seus olhos fitando os meus, e aquele sorriso que surgia
sempre que nos fitávamos.

Mas nesta noite não teve olhares
nem vindas, nem passos, nem sorrisos.
Teve somente eu.
Lembrando você.
Somente meus dois olhos tristes
por não te ver.
E uma cabeça cheia de memórias nossas
e um peito cheio de saudades suas.




segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Queria te mostrar como é violento você existir

Meu amor,
É de dar vergonha tanto amor. É latifúndio coronário, monocultura cardíaca – como um país inteiro plantado aos pés dela. O delírio repetindo igualzinho. Você me emociona. Parece feita de terra. Tudo é verdade começando por você, quando você se coloca na frente – como se a janela compreendesse a moldura e a paisagem, então, onde quer que você a coloque, terá sempre a mesma visão. Promete que entende tudo o que eu digo? E por detrás desse jeito de menina selvagem, mas menina, mas selvagem, vê-se o vulcão. Por isso ao seu lado faz calor. Por mim o mundo não vivia. O mundo pode espernear à vontade. Eu ainda vou fazer uma canção pra você. Vou apontar e te dizer, “olha que lindo!” e você vai sorrir pra mim, olhando nos meus olhos sem nem se importar com o que eu estou apontando. Você é a coisa mais bonita que eu já vi. Você e o mar, mas o mar é mulher e mulher só você. Essa frase é da nossa canção. Quero te ver feliz. Matar e morrer com você pra você por você. Em um dos nossos primeiros encontros te dei um livro. Queria te mostrar como é violento você existir. Meu olho dói quanto te vê. Pensei em comprar um machado, um guindaste, um viaduto. Vou te morder os dentes. Pensa em mim pra eu existir. Eu poderia passar o resto da vida acreditando em você e te dizendo “vai…”, “vai lá ver como é…”. Não comprei machado, nem bigorna ou trator, mas te dei o livro. Te dei o livro e escrevi no fim desse texto:
A MULHER E SEU PASSADO
(Rubem Braga em A Traição das Elegantes)

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Conto incerto



A lua aparecia pela primeira vez naquela semana, e era de uma beleza tanta que prendia, pelo menos por alguns segundos, quem a olhava. E nisso estava um rapaz, sentado num banco, olhando-a admirado. Ele tinha no colo caderno e caneta, talvez para escrever alguns versos sobre aquela lua, sobre aquela noite, sabe-se lá o quê, não pude ler a mente do rapaz, quem dera tivesse este dom. Sabia-se apenas que ele era um amante daquela beleza natural.
Ali naquela mesma praça, uma garota de cabelos escuros também tinha parado para observar a lua, e como essa parecia gostar de ser observada. A garota tinha um brilho nos olhos que só era ofuscado pelo brilho daquela lua. 
Mas por algum motivo, desconhecido por quem vos escreve, quiçá por quem me lerá, mas a garota desceu seu olhar do céu e foi de encontro ao de um rapaz de cabelo curto e rosto bem barbeado que a olhava sentado num banco. Fica então aqui registrado apenas o que vi acontecer...

O rapaz fazia rabiscos em seu caderno, ainda olhando a garota, que percebeu o movimento da caneta por cima do papel. Talvez estivesse descrevendo a beleza daquela noite, talvez comparando a beleza da garota ao brilho daquela tão irradiante lua. Quem sabe fosse um poeta, um desses loucos românticos que veem beleza em tudo aquilo que hoje se passa em branco para a maioria. Um daqueles rapazes sentimentais que sofre paixões platônicas desde o colegial por não ter desenvoltura com as garotas e acaba se afogando em romances terrenos, onde o vilão, nesse caso o chamado "garanhão", conquista a mulher que quiser, e ai de quem tentar competir com ele, acaba sozinho no final por não saber cuidar, por não dar valor e o mocinho é aquele que, como talvez fosse ele, consegue o amor da jovem donzela. 
Talvez por ser tomada por essa curiosidade, ou por interesse no rapaz que a olhava a moça foi se aproximando dele, devagar para que ele não percebesse e acabasse fugindo, como os pássaros voam quando tentamos bater uma fotografia deles, chegando a invadir seu espaço agressivamente (rápido demais). Parou quando percebeu que o poeta levantava a cabeça para olha-la mais uma vez e logo depois admirar a lua. 
Não posso dizer ao certo o que eles conversaram no momento seguinte, mas pareceu-me que ela gostou do que vira no caderno. Não, o garoto não fugiu à sua chegada, em vez disso, cedeu espaço no banco e sorriu para ela. Com certeza ficou envergonhado, afinal, qual poeta (ou artista) considerado platônico, não ficaria se a sua musa chegasse no momento em que sua obra está sendo feita? Mas sorria, sim, sorria e parecia se deliciar com o sorriso dela também. Devia ter covinhas, ela, no canto da boca. Oh, sim, que belas seriam suas covinhas. E ele também, belo e com olhos bondosos, por que haveria ela de não sorrir para ele? Que talvez a amasse em segredo, quem sabe já não a observava a dias? E agora, que descoberto, mas não sem antes ter certeza de que era correspondido, poderia abrir o coração e os braços para ela, que tinha um sorriso para ele. E tinha um beijo também, que depois de algum tempo conversando, correu da boca dela para a dele. 
O pior de tudo, meus caros, é que talvez nunca saberemos o que estava naquele caderno e o que foi dito naquela conversa, naquele momento. Só que depois de tudo ela se foi, talvez para casa, assim como ele também, para a dele, talvez.



terça-feira, 17 de setembro de 2013

Contos de Pedro e Júlia

Continuando...

            Lá dentro encontrou com a chefe e agradeceu pela chance que ela o dera, quase não conseguindo conter sua animação por estar finalmente numa sala de redação.
            Desde que decidiu cursar Jornalismo, Pedro sonhava em trabalhar na redação de algum jornal. Muitos perguntaram se ele não preferiria ser repórter ou âncora, para ser visto na TV, mas ele já tinha se decidido que queria escrever as notícias, e não apresenta-las na frente de uma câmera. Na escola gostava muito de criar crônicas, contos, mas sentia dificuldade em redigir uma notícia, tanto que sua primeira nota em redação foi 1,0 por ter confundido tudo.
            A chefe de redação o apresentou aos outros jornalistas e também não jornalistas que estavam ali, indicando o nome de cada um. Por mais que os visse como colegas, ele sabia que a vida de estagiário não seria fácil, e que tudo que acontecesse de ruim, colocariam a culpa nele. Todo tipo de serviço não jornalístico (e jornalístico também) é o estagiário que deve fazer: o café, entregar recado, textos, cartas, colar selos, etc. E dane-se se não tiver tempo!
            Não decorou nomes além do da chefe, Sandra, não tinha essa habilidade de decorar vários nomes em tão pouco tempo. Notou que lá dentro nenhum dos jornalistas andavam ‘na moda’, isso era algo que ele já esperava: a vaidade de um jornalista é com o seu texto. Até porque é o que garante a comida dentro de casa (e olhe lá). Pedro também já sabia que a situação financeira não seria das melhores, na verdade, todos, antes mesmo de começar o curso, já estão cientes disso. E ainda mais sendo estagiário!

            Respirou fundo e foi pra mesa reservada a ele. Pegou a lista de assuntos sobre os quais escrever e não perdeu tempo, começou a ler, uma a uma, tentando buscar alguma ideia pra sua primeira crônica na coluna.  

domingo, 15 de setembro de 2013

Nostalgiando



Saudades de meus dias poéticos
e de olhares sintéticos.
Lábios a mordiscar

Memórias daquele incerto
que tanto parecia certo.
Sorriso em seu olhar

Saudades de dias calmos
de lidos belos salmos.
Croce* fixa no luar

Os dias frios descendo a rua
Em dias quentes - a pele nua.
Beleza talvez vulgar

Caem contatos tão remotos
no abismo, terremotos.
Estou a nostalgiar.




*Croce: cruz em italiano
Nostalgiando e nostalgiar: neologismos

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Contos de Pedro e Júlia

O recomeço de Pedro

                O dia entrava claro pela janela do quarto de Pedro e o vento frio da manhã fazia com que ele não quisesse se levantar nunca da cama. Mas ele levantou. Tomou seu banho, trocou de roupa, tomou café e desceu, teria um dia duro. Pegou o ônibus e seguiu pra universidade, a primeira parada daquele que seria um dia e tanto para ele.
            Chegou na sala e sentou perto dos amigos com os quais sempre conversava e geralmente fazia os trabalhos e pesquisas que eram passadas. Contou para eles a novidade: tinha arrumado um estágio. O seu primeiro. Estava animado e também nervoso para começar, com medo que não correspondesse às expectativas. Medo esse que ele tentava se livrar ainda, visto que a gente nem sempre sabe o que as outras pessoas esperam. Todos o saudaram com parabéns e perguntaram sobre esse estágio, onde seria e tal.
            – Por enquanto é só uma coluna no jornal daqui mesmo, eu posso fazer sem sair de casa, porém hoje terei que ir lá conversar com todos e ser apresentado como novo colunista.
            Todos desejaram boa sorte a Pedro, que realmente precisaria.
            Depois que a aula terminou ele mandou uma mensagem para sua namorada, dizendo que se não conseguisse responder às mensagens dela é porque estaria no estágio, e ela logo respondeu, desejando-o boa sorte e dizendo que estava orgulhosa dele, e que ele continuasse se esforçando para conseguir o que queria. Ele sorriu ao ler a mensagem e respondeu que continuaria sim lutando pelo seu lugar, e que agradecia por tê-la ao seu lado, de novo, semeando esperança nele.
            “Cê sabe que te amo, e vou estar do seu lado sempre. Agora vai lá e não perde essa chance. Beijos” foi a mensagem que ela mandou, ao que ele respondeu: “Sei sim, e eu te amo, e sou feliz por termos começado algo novo, de novo. Vou lá, até depois, beijos.”
            E foi, mais confiante que estava quando acordou. Era incrível como aquelas palavras o fizeram tão bem, a ponto de esquecer o quanto estava nervoso. “Ela sempre tem esse efeito sobre mim, e acho que sempre terá.” Pensou no quanto ele conseguira mudar no último ano, simplesmente por ele ter acreditado que poderia ser melhor. “E ela também acreditou, isso foi o que me impulsionou”, pensou ele.
            – Bom dia, sou Pedro Souza, a chefe de redação me chamou hoje aqui para me apresentar a equipe, sou o novo estagiário – falou para a secretária.
            – Ah, sim. Claro. Vou só avisar que o senhor já chegou. – Pedro quase não conteve uma risada que veio de repente. ‘“Senhor’, quem diria?” – Ela está esperando na sala à esquerda, pode entrar.

            – Obrigado. – E entrou.