domingo, 27 de julho de 2014

Dança de Cigana - Parte IV

Ouro e luz

fonte da imagem: http://kirkovits.blogspot.com.br/2010/12/alma-de-crianca.html 

   Lá estava ela sentada no banco do parque, observando o movimento da cidade lá embaixo. Já era de lei que nossos encontros acontecessem por acaso, como se estivessem escritos em linhas de diferentes páginas de um grande livro. O livro das nossas vidas. Se é que você, caro leitor, acredita que exista um livro onde as vidas estão distribuídas em linhas e capítulos.

   Eu conheceria de longe aquela áurea que reluzia dela, aquele brilho incandescente dos seus olhos derretidos. Porque se aquilo não fosse ouro derretido, então que me batam na cabeça. Não me surpreenderia se ela virasse e me olhasse, sorrindo, dizendo que me atrasei, porque era como se aquela garota tivesse visitado toda a narrativa dessa história, mesmo não sendo uma. Mas não virou.

   Aproximei-me devagar e a toquei no ombro, senti-a se arrepiar. Era a primeira vez que a encontrava parada, sem fugas ou luzes, apenas duas pessoas. Ela me olhou: senti o calor dos olhos delas penetrando minh'alma e aquecendo tudo por dentro, até os meus olhos de cobre frio esquentaram naquele momento. Sorrindo para mim, disse: "chegou atrasado". Dei uma risada e continuei olhando para ela - como se eu conseguisse não olhar. Ela afastou um pouco, indicando para que eu me sentasse e observasse com ela o fim da tarde, acima da cidade grande. 

   Perguntei como ela sabia que eu estaria ali, e ainda mais que eu chegaria atrasado, porque tudo aquilo para mim foi coincidência. Ela disse simplesmente: "estava escrito". Era inevitável nos encontrarmos novamente, principalmente porque eu a procurava, buscava-a nos sonhos, refazendo os passos de quando a encontrei outras vezes. E, quando parei de repetir tais passos ali estava ela, visualizando as páginas desse livro que é a vida, adivinhando que eu a encontraria, por ter saído daquela rotina de busca, e chegaria atrasado a esse encontro, por só então perceber que ela já estava dentro de mim.

   Isso mesmo. Ela, toda luz e ouro, aquela garota que me fez dançar no seu ritmo, permitiu-me encontrá-la fora da lógica do cerca trova*, fora do lado de fora de mim mesmo. Quando percebi que ela estava o tempo todo na minha cabeça, deixei-me ir ao encontro dela, e por sorte encontrei-a lá, com seus olhos e seu brilho, e toda sua alma de criança. Beijei-a.



*cerca trova (italiano): em português significa 'busca e encontrarás'.