quarta-feira, 28 de março de 2012

Um curto diálogo

   
      Audri era um jovem britânico, que gostava de caminhar entre os bosques floridos de Liverpool. Curtia os Beatles e os Rolling Stones, bandas famosas até hoje. Bonito e de média estatura, não era forte, mas tinha um charme impecável. Cabelo loiro e olhos claros, chamava atenção de muitas garotas. Não todas, mas muitas. Gostava de shows e de bebedeiras, e também fumava. As pessoas que andavam com ele eram iguais a ele, mas diferentes do resto. A mãe morrera há dois anos, câncer pulmonar. O pai não assumir, fugira um mês antes de ele nascer. Desde a morte da mãe ele vem arrumando trampos por aí e também recebe uma ajuda do tio. Ajuda essa que paga sua casa e suas bebedeiras. Tinha o quarto rodeado de vinis clássicos.
      Um dia, enquanto fumava na praça, um senhor de chapéu e sobretudo sentou no mesmo banco que ele e tirou um saco de um dos bolsos. Jogava pedaços de pão pros pombos que ali estavam.
      - Sua mãe não te disse que fumar não é bom pra saúde? - disse o velho.
      Audri olhou de lado e disse:
      - Minha mãe quem me ensinou a fumar, senhor.
      O velho, depois de uma risadinha, disse:
      - Eu nunca fumei na vida.
      - Foi porque sua mãe não te ensinou, senhor. - disse o jovem - Minha mãe dizia que quando as mães ensinam, os filhos nunca esquecem.
      Olhando distante, o velho perguntou:
      - Onde está sua mãe, meu jovem?
      - Morreu há dois anos, senhor, - disse o garoto, rindo amarelo - câncer no pulmão. E a sua, senhor?
      - Morreu há dez. Ataque cardíaco. E o seu pai, onde está?
      -Não tive pai.
      O garoto, terminando o cigarro, levantou e pegou uma rosa.
      - Senhor, pegue e cuide dessa rosa. - entregando-a ao velho - Daqui a dois anos, quando eu morrer, quero que o senhor coloque essa, e somente essa rosa, dentro do meu caixão.
      - Como assim filho? É mais fácil eu morrer antes que você nesses dois anos. - disse o velho.
      - Não, senhor, - falou o jovem, sorrindo - o senhor não vai morrer primeiro.
      - E como podes ter tanta certeza? - disse o velho, abismado com o que dizia aquele jovem.
      - É porque, senhor, - fez uma pausa - sua mãe nunca te ensinou a fumar.
      Dizendo isso, Audri pegou outro cigarro e o acendeu, enquanto caminhava, seguindo seu caminho. O velho ficou encantado com as palavras do jovem. Pegou seu saco de pão, que tinha caído, levantou e foi para casa, cuidar da pequena rosa.

terça-feira, 20 de março de 2012

Anne & Sith


No começo eu estava com medo de que ela me visse. Por isso pus uma máscara, e a coloquei na cama, amarrada pelos membros. Seus olhos de pavor me davam uma tranquilidade enorme, e seus suspiros me faziam esquecer do mundo, como se lançassem em meu corpo doses de endorfina. Sua pele branca, lisa, encantava-me a cada dia, enquanto aos poucos eu a pintava de vermelho. Não a privava de sono ou comida. Depois de uns tempos a gente já conversava: ela me perguntava o porquê de eu tê-la pego, e eu respondia sempre o mesmo: eles disseram que era você... Eu a cortava devagar, era prazeroso sentir a lâmina descendo por sua perna, pintando todo o branco de vermelho. No início eu a deixava lá, sangrando por horas. Mas depois de um tempo, olhando pros seus olhos escuros que, não demonstravam mais nenhum pavor, não senti mais essa necessidade de ver os pingos de sangue caindo da perna dela, e passei a tratar. Por alguma razão eu me sentia diferente com ela. Lavei seu rosto e limpei as feridas que foram abertas por mim. Não usava mais máscara, agora eu me sentia bem, e conversava com ela. Mas eu não cheguei a pedir desculpas. Ela me olhava estranho, não parecia sentir ódio. Eu a desamarrei, mas ela não quis ir embora. Parecia agora querer ficar ali, comigo. O que eu não entendia, já que no início ela estava tão horrorizada. Ela tocou meu braço, e o percorreu com seu dedo. Ela pegou a faca e traçou uma linha em meu braço. Como se soubesse, e logicamente sabia, o que eu sentiria, sorriu. No momento em que a lâmina descia meu braço, eu me senti bem. A dor era prazerosa. Então ela me deu a faca, e estirou a outra perna. Desci a faca, devagar, observando o sangue escorrer. E sua face era de uma tranquilidade comparada à minha, e não se via nenhuma dor em seu rosto, nenhum sinal de sofrimento. Foi aí que eu percebi, que ela era igual a mim.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Na cabana


Amanheceu chovendo. As lágrimas de Cook desciam e se confundiam com os pingos da chuva. Ali em frente, naquele caixão, estava garota que ele amou e disse que protegeria sempre. Sua cabeça estava nos momentos que eles passaram juntos. Não importava quais fossem: brigas, noitadas, risadas. Eles sempre davam risada no final. Ele não sabia quando encontraria alguém como ela. Radiante, sensível, forte. Gostava de ir à shows de rock com ele. Uma vez, lembrava ele, eles estavam voltando de uma dessas noites, entraram num barracão, já estavam bêbados àquela hora, e subiram num balcão, onde começaram a cantar e dançar, até que o dono do lugar chegou, e os colocou pra fora. Saíram correndo e rindo, ele com um litro na mão, talvez até seco, não perceberam, e foram direto pra cabana deles. Era um lugar onde só eles tinham a chave, onde se sentiam seguros e livres da pressão do mundo lá fora. Ela sempre dizia que, quando eles não pudessem mais se encontrar, deixaria a chave onde lembrasse dela, pra que ele não a perdesse.
Cook virou e correu para o lugar que sabia que poderia sentir que estariam juntos sempre. Colocou as mãos nos bolsos e sentiu uma pontada no peito: notou que havia perdido a chave e não conseguiu entrar. Suas lágrimas, que já haviam secado, voltaram a cair. Mas então ele ouviu a voz dela na cabeça, dizendo que a chave estaria onde ele lembrasse dela. Olhou pra cima, e lá estava, pendurada num prego atrás de uma ripa, a velha chave da cabana. Ele levantou e pegou a chave, abriu a porta e entrou, deitando num sofá velho que eles tinham arrumado por aí. E então, sentindo ali o cheiro dela, fechou os olhos e dormiu, sorrindo.

sábado, 10 de março de 2012

Você de ontem.


Ah, como gosto de você
Não. Não você de antes
Não você que me usou,
que me abraçou enquanto
beijava outro por minhas costas...
É alguém melhor que você!
Alguém que tem olhos sinceros.
Olhos que ainda contam histórias
Não como esses teus falsos olhos,
que de certeza só me passam
dúvidas, agora.
Você de ontem, você já se foi de mim.
O você que está aqui é um novo,
um você do presente
Um você presente.
Não é você
Esse outro
você.
É um você que
valerá a pena
o novo eu
que vou
ser.