sábado, 19 de dezembro de 2015

Do outro lado do espelho

Parte I

                A primeira vez que entrei no espelho foi confuso. Eu estava caminhando tranquilamente pela minha casa e vi um brilho azulado saindo por baixo da porta do quarto. Era fraco, mas constante, e oscilava entre claro e escuro. Girei a maçaneta devagar e abri a porta, dando de cara com uma forma feminina. Não, não era uma mulher. Era a forma de uma mulher, mas preenchida apenas pela cor azul.
                Porém, assim que me viu, o azul transformou-se num laranja forte, como aquelas luzes de atenção postas onde saem e entram carros com frequência. Não tive tempo de perguntar nada, pois logo ela me viu, correu e entrou no espelho. Sim, amigos. No espelho. Esfreguei os olhos, contei os dedos da mão esperando que aquilo fosse um sonho. Não era.
                Instintivamente corri até a frente do espelho, tentando entender o que acabara de ocorrer ali. O que era aquela forma? O que fazia no meu quarto? Toquei no espelho no qual a forma azul acabara de atravessar e o senti sólido. Era de se esperar. Parece loucura, eu sei. Até hoje não sei explicar, mas aconteceu. Aquilo realmente aconteceu.
                Na noite desse mesmo dia eu tentei esquecer o episódio, mas foi em vão. Na minha mente só passava um filme repetido da Forma Azul correndo em direção ao espelho e atravessando-o. Tentei encontrar diferentes explicações mas nada se sustentava. Não que eu não acreditasse em outros mundos, sempre fui imaginativo. Porém aquilo ultrapassava meus limites. Deitei-me e procurei descansar.
                Eu sonhei com a Forma Azul naquela noite. E a nomeei “Forma Azul” por ter sido a primeira cor que vi nela, e também por azul ser minha cor favorita. Mas, como foi dito, ela também podia assumir outras cores, dependendo, creio eu, do seu estado de espírito. Se é que não era a forma um espírito. No sonho ela me encarava num azul claro, e eu conseguia me ver no seu reflexo límpido, parecia até uma piscina cheia e calma. Eu estava calmo. Ela me tocou e eu senti como se uma corrente elétrica atravessasse meu corpo. Imediatamente senti uma vontade imensa de atravessar o espelho. E, de alguma forma, eu sabia que poderia fazer isso.
                Levantei-me e olhei para minha própria imagem no espelho. O quarto estava totalmente iluminado por um azul encantador que emanava da forma. Não havia olhos, nem orelhas ou ao menos uma boca. Apenas o contorno de um corpo feminino normal. Corri em direção ao espelho e antes de poder atravessar, acordei na minha cama.
                “Foi apenas um sonho”, pensei. Ainda estava escuro e eu me sentei na cama por alguns minutos. Diferente do sonho, não havia nenhuma luz no quarto. Então levantei e acendi a luz do quarto. Parei em pé em frente ao espelho e me encarei. Senti aquela mesma força correr pelo meu corpo, como se eu tivesse certeza que poderia atravessar o espelho. Respirei fundo e dei um passo, depois outro. Decidi que seria melhor não correr.
                Aproximei devagar minha mão do espelho e, para minha surpresa, vi-a sumir dentro dele, como se estivesse colocando a mão numa bacia cheia d’água. Era frio dentro do vidro, e meu corpo foi aos poucos entrando cada vez mais do outro lado dele. Quando minha cabeça estava completamente do outro lado me peguei olhando para o meu próprio quarto, mas ao invés de paredes havia espelhos por todos os lados. Entrei.
                Estava vazio lá dentro, eu esperava ver pelo menos aquela forma de novo. Não havia móveis nem livros, apenas o espaço vazio do quarto emparedado por espelhos. Olhei-me em um dos espelhos, imaginando que cor eu estaria, mas vi apenas meu próprio reflexo. Ouvi passos no corredor ao lado, ao qual uma porta dava acesso, igualzinho na minha casa. Caminhei até a porta e me escondi atrás dela, esperando que fosse a Forma Azul.
                Pelo reflexo vi borboletas azuis invadirem o quarto, mas algo de estranho me chamou a atenção. Era a forma como voavam: pareciam percorrer o mesmo caminho que o sangue percorre o corpo humano. E em algum ponto do tórax elas formavam duas elevações, como se fossem... “Seios! Então é ela!”, pensei, animado ao ver a Forma Azul de novo. E fiquei excitado quando a vi aparecer no meu campo de visão. Sim! Ela mesma. Não o azul que entrou no meu quarto, mas uma mulher. Carne, osso e pele. Saí de trás da porta para ir falar com ela, mas quando me viu gritou e sumiu da minha frente. Logo ouvi mais passos no corredor. Pelo reflexo nos espelhos pude ver vermes ocupando toda forma de um homem e outra forma preenchida por tijolos. Antes que me vissem corri e atravessei de volta o espelho. Estava em casa.


quarta-feira, 11 de novembro de 2015

O quadro das três irmãs

            Luísa sempre foi fixada em quadros e imagens assustadoras ou fora do comum e passava horas vagando por sites onde pudesse encontrar esse tipo de imagem. Não sabia de onde tirara esse gosto, mas quem ligava? Ela não.
            Certo dia, num desses sites, vira um quadro que chamou sua atenção: três garotas no meio de uma sala como num transe. A sala parecia daquelas antigas, do século XIX, dado à mobília clássica e o assoalho de madeira bem polido. Os rostos das moças, cheios de arranhões, estavam voltados para cima, e as bocas e olhos delas abertos.
            Luísa olhava avidamente para a foto, petrificada, quase em transe como as garotas. Até ouvir um barulho e quase pular da cadeira. Virou devagar o rosto para a porta que dava no corredor de casa e viu o rosto severo da mãe. Não foi preciso dizer nada. Luísa fechou o notebook e vestiu uma camisola azul, indo em seguida para a cama. Dormiu e sonhou.
            No sonho parte do que acontecera naquele dia se repetia: ela saíra do banho e depois de se enxugar e vestir uma calcinha foi para frente do notebook continuar sua busca pelas imagens e quadros que tanto gostava. Mais uma vez ela encontrara aquele quadro e dessa vez sentiu um arrepio subir sua espinha. Nada mudara de fato, mas um leve sopro gélido tocara o pescoço dela.
            Observava novamente o quadro e as moças dispostas em um círculo, de costas para o centro, onde havia um livro aberto. Luísa jurou que conseguia ouvir a voz das moças em transe, como se gemessem nas suas camisolas grandes e brancas caindo até o joelho e olhos que pareciam vulcões rachados, com lava na superfície. O som do gemido ia aumentando aos poucos, e Luísa mal piscava, o olhar fixo agora no livro, tentando ler algo nele.
            Quando o som agonizante chegou ao ápice ela pode jurar que vinha dali do quarto, do seu lado e virou o rosto. O susto foi enorme e o grito dela, por mais que tenha posto força para soltá-lo, saiu sem som algum, como acontece em pesadelos. A irmã mais nova de Luísa estava ao seu lado, também em transe, como as garotas do quadro. Mas, diferente delas, os olhos da sua irmã estavam brancos e escorria baba dos cantos da boca aberta. Luísa estava aterrorizada e seu olhar voltou para o quadro no notebook e, mais uma vez, o grito sufocado não saiu.
            Uma das garotas em transe no quarto olhava diretamente para ela com seus olhos vazios e a boca aberta mostrando dentes pretos. Luísa tentava se mexer, levantar e correr dali, mas o seu corpo pesava, assim como a cabeça, e ela não conseguir se mexer. De repente os olhos da garota estavam em cima dos dela, saltando da tela, como Samara saindo da TV em O Chamado. Beijou Luísa profundamente, roubando toda sua força vital. Luísa acordou.
            “O teto está diferente”, pensou Luísa com os olhos abertos. Ela os sentia queimar, como se estivessem em chamas, assim como todo seu corpo. Percebeu que ainda ouvia o gemido. Pior! Percebeu que o gemido saía da sua boca. Com o canto do olho em movimento reconheceu aquela sala, aqueles móveis. Céus! Ela estava dentro do quadro. Ela era uma das garotas do quadro! Ela passava a língua nos dentes e os sentiam moles e podres. Tentou chorar. Tentou gritar. Não conseguiu. Estava presa e ficaria presa ali por muito tempo.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

As cores de Mônica

            Os dois invadiram o quarto de Mônica com quase a mesma vontade que sentiam de se invadir. Os braços de Elton seguravam com força as costas de Mônica, que tinha as pernas envoltas no quadril dele. Ele a jogou na cama, que por sorte não quebrou. Deitou por cima dela, beijando-a no pescoço e se deliciando com a maciez da pele negra de Mônica. Ela arrancou a camisa dele e a jogou de lado, observando o peitoral sem muitos músculos e deixou que ele tirasse sua blusa, botão por botão.
            Elton descia o corpo dela em beijos até chegar perto do short, que por sinal ainda estava ali, atrapalhando. Com uma olhada maliciosa – o olhar que Mônica mais adorava – ele tirou o zíper e puxou o botão, puxando o short jeans curto. Ela mexia no cabelo meio escuro dele, bagunçando-o ainda mais. Quando ele voltou à boca dela, Mônica o jogou de lado e passou a ficar por cima, repetindo o que Elton acabara de fazer. E ele não usava cueca. Tentando repetir o olhar malicioso do rapaz, – mas sem sucesso, e isso o fez rir – com a boca Mônica fez a risada virar exaltação.
            –– Você termina. –– disse ela.
            Depois montou nele, começando a cavalgar lentamente, enquanto as mãos de Elton apertavam sua bunda. A pele dela tinha algumas estrias, mas ele não ligava. Quer poemas melhores que aquelas linhas em sua pele? O fogo dela o consumia por inteiro, será que haveria coisa mais gostosa que aquela mulher? Ele não saberia dizer. Vendo-a ali, em cima dele, os peitos subindo e descendo, ela poderia fazer o que quisesse ali de cima.
            Mesmo absorto em pensamentos, a tapa na cara o surpreendeu e ele a olhou assustado.
            –– Não pensa Elton! –– dizia Mônica entre gemidos, –– quanto mais você viaja no seu mundo menos você fica aqui comigo. Não quero transar só com um pênis, porra!
            Aquela agressividade o excitava ainda mais. Ele a puxou para perto do rosto e a beijou, sua língua encontrando e se enrolando com a dela, como todo o resto do corpo. Saindo do beijo, Mônica encostou a boca na orelha do parceiro e sussurrou:
            –– Agora é sua vez.
            De novo o sorriso malicioso se formou na boca dele. Mais uma vez desceu a boca pelo corpo dela, até chegar onde queria. E onde ela o queria. Encostou a boca devagar, beijando agora outros lábios, fazendo Mônica sentir arrepios na espinha. Depois a língua entrou em ação e agora o ar se confundia com os suspiros e gemidos dela, que vez ou outra se contorcia ao toque dele, as mãos agarrando os cabelos de Elton. Depois ambos estavam lado a lado na cama.
            –– Você é ótima. –– Elton disse, deliciando-se enquanto corria a mão pela pele dela.
            Mônica deu uma risada, levantando-se.
            –– A magia começa agora, baby.
            Ela foi até a vitrola e colocou o disco que havia lá para tocar. Um som suave saía do aparelho e Mônica começou a dançar. Os olhos de Elton não desgrudavam dos movimentos delicados dela, era como uma hipnose, mas ela usava o corpo como agente hipnotizador. E funcionava.
            Seus cabelos cacheados pareciam adquirir novos tons. E ela parecia soltar cores pelo quarto, como se fossem pequenas faíscas. Sabe aqueles clipes em que o movimento dos dedos forma diversas listras de cores diferentes, formando um traçado psicodélico? Era Mônica naquele momento. Suas curvas perdiam cada vez mais a forma humana e passavam a virar desenhos, linhas e formas geométricas aos olhos de Elton, que nada conseguia fazer além de observar.
            Mônica, agora mais linhas que pele, lembrava um pouco a Medusa com os cabelos criando vida, igual às serpentes da sedutora criatura que petrificava homens com seu olhar, tinha os olhos escuros postados nos do seu amante. E ele, bestificado, estava paralisado com toda aquela transformação. Não apenas figurativamente, ele realmente não se mexia mais. E, como borboletas, as formas e cores de Mônica se espalhavam pelo mundo, ao atravessar a janela aberta do quarto. Ela agora faria parte de tudo e de todos. Um novo parágrafo no segredo do Universo.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

O armário 27

            Um clima estranho encobria o colégio nesse dia 4 de Julho. Acontece que há sete meses uma das estudantes foi assassinada aqui e dentro e teve partes do corpo encontradas dentro do seu armário. O resto dele ninguém nunca encontrou. Eventos estranhos vêm ocorrendo desde então, como gritos e suspiros altos demais pelos corredores. Eu estudo à noite e fico sempre assustada, e não sou a única: algumas amigas já afirmaram ouvir também os gritos. Nunca tivemos coragem de seguir as vozes, mas alguns alunos dizem que elas vêm do corredor A2, onde ficam os armários de 21 a 30.
            A professora apresentou um novo aluno, Alberto, e o mandou entrar e sentar na carteira próxima a minha. A carteira dela. Não sei se mais alguém notou, mas a professora tinha malícia nos olhos ao olhar Alberto. Ao sentar, uma chave caiu do seu bolso, “a chave dela”, pensei. Era o armário que Jéssica usava. Desde a morte dela ninguém tinha usado o armário 27. Estranho, porque já entraram seis outras meninas depois da morte dela, e o 27 só foi dado a ele.
            No decorrer da aula eu percebi os olhares trocados entre Alberto e a professora. Tudo bem que ela não era velha, mas tinha idade o bastante pra já ser a mãe dele. O que significa essa troca de olhares? Por que só dera a chave do armário 27 a ele? No fim da aula eu terei uma conversa com ela. Tem algo aqui que não parece certo.
            Faltam dez minutos para o fim da aula e a professora acaba de chamar Alberto para ir com ela até o armário, já que era o primeiro dia dele ali. Mas não me lembro de ela ter levado as meninas pra irem até o armário no primeiro dia de cada uma. Definitivamente tem algo estranho. Levanto-me e saio da sala também, no encalço dos dois. Virando a primeira curva nos diversos corredores da escola, começo a ouvir os gritos de Jéssica. “Dessa vez eu vou sigo em frente”, penso, e, devagar, coloco um pé a frente do outro e vou.
            Finalmente chego à última curva e, enquanto isso, os gritos se confundem com gemidos de dor e queixas. Também se confunde com a voz da professora, e outra voz... Meu coração bate forte, quase fazendo barulho ao me lembrar dessa voz. É a voz de Jéssica. Junto com a da professora, em uníssono. “Achou que mudar o cabelo e emagrecer alguns quilos faria eu me esquecer de você, seu escroto de merda? EU ME LEMBRO!” Sim. É ela com certeza. Embora eu esteja assustada de mais para olhar, reconheceria a voz dela em qualquer circunstância.
            Minhas mãos tremem e eu suo frio enquanto aquela presença invade aos poucos minha cabeça. Agora eu entendo tudo! Os olhares, a malícia, a preferência... Alberto é o assassino de Jéssica, e ela o atraíra até ali pra se vingar. “Deixe aqui apenas o coração”, diz a voz dupla. Crio coragem e coloco parte do rosto no espaço vazio à direita e vejo uma cena que nunca mais esquecerei: a professora rasgara a pele do próprio rosto, mostrando a carne sangrenta e uma boca enorme com dentes afiados. Alberto se debate e tenta gritar, mas sua voz não sai, a mão do monstro o sufoca. As unhas dela são como afiadas e pontudas navalhas, e ela as enfia sem dó na caixa torácica do assassino, arrancando seu coração e colocando-o dentro do armário, saindo em seguida, com o corpo nos braços.
            Estou aterrorizada com tal cena, minhas pernas tremem e meu coração pula no peito. Mas mesmo assim minha curiosidade foi maior e caminho, agora, vagarosamente, até o armário 27. Não está trancado. Abro-o devagar e o que vejo é assustador. Dentro dele há um espelho que, em vez de refletir meu rosto, reflete o rosto de Jéssica devorando o coração sangrento de Alberto.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Fora da maleta

     Jonas corria na escuridão sob a chuva fina que caía quente. Com uma maleta em mãos, nem sequer olhava para trás, com medo de ver os olhos brancos que o perseguiam desde que saíra da escola, horas atrás.
     Quando recebeu a maleta e aceitou carregá-la até o endereço destinado, não imaginou que seria perseguido ou correria algum risco. "Dentro desta maleta mora o segredo da vida" disse o homem vestido de branco, quando confiou a maleta a Jonas, "somente quem é digno e de consciência limpa conseguirá entregá-lo ao destinatário e ver o que tem dentro dela." Ah, pobre Jonas. Esse é o mal de todo ser humano: sempre se acha digno de alguma coisa neste mundo.
     As palavras do homem pareciam tomar todo o pensamento de Jonas, enquanto sua respiração pesada tentava abafar aquela voz rouca. Durante o percurso, lembranças vinham à tona e Jonas se assustava com elas. Eram todas as vezes em que ele machucara as pessoas que o amavam. Pessoas talvez até mais hábeis que ele de carregar a maleta. E a cada lembrança os olhos brancos se aproximavam.
     Repentinamente, Jonas parou. De olhos fechados e assombrado pelas memórias, soltou a maleta e esperou ser pego pelo que fossem aqueles olhos brancos. Quando os abriu de novo uma imensidão de branco o rodeava, quase cegando-o, e, a alguns metros, lá estava o homem de branco, olhando para Jonas. E por toda a extensão de branco outras pessoas também o olhavam. Jonas se aproximou do homem e perguntou o que havia dentro da caixa. Sorrindo, ele respondeu: "Por que acha que estamos todos aqui? Ninguém nunca foi capaz de entregar a maleta. Todos se acharam dignos, puros, mas ninguém quis enxergar os próprios erros até que esses foram jogados em nossas caras. E muitos ainda tentarão, e muitos mais falharão. Até que ninguém mais se preocupe em descobrir esse segredo. E então, só aí, ele se revelará ao mundo."

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Em linha reta

Livre e leve como uma pluma
Indo e vindo com o vento
Volta e meia vai ao chão
Inda que só por um momento
Ah!, queria eu ser essa pluma
Leve e livre céu adentro
Imagino até a cena:
Meu corpo virando pena
Alegrando o céu cinzento.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Ei, você, poderia me dar um abraço?

      Roger Waters uma vez escreveu "juntos nós resistimos, separados nós caímos" em uma das várias obras de arte do Pink Floyd, "Hey you". Mas por que será que tantas e tantas pessoas não enxergam isso? A gentileza, os sorrisos, e os "desculpe-me" ao pisar no pé de alguém, sem querer, no ônibus, estão tão escassos que chegam a causar surpresa.
      É como se cada um vivesse isolado, cercado com seus próprios muros, separados uns dos outros e sendo alimentados por uma mídia alienante. Mesmo os que resistem e tentam de alguma forma derrubar o muro da solidão (do auto-exílio para outros), aos poucos veem a chama da esperança se apagar.
      Waters pergunta na canção "você me ajudaria a carregar a pedra?" e fica tão claro o quanto nós precisamos de ajuda, o quanto precisamos nos ajudar. Há um câncer no mundo chamado 'egoísmo', ele se espalha rápido e preenche até a borda um coração vazio. Aos poucos os abraços e os sorrisos vão ficando sem espaço nesses peitos, até se esvaírem completamente. Mas mesmo assim sempre haverá um fósforo a mais, um tiquinho de barbante preso em um bocado de cera para reacender essa luz. Espero que possamos enxergá-la.

Ser-me

Na loucura sórdida que é me ser
Qualquer ensejo que seja
Faz-me ter-me como objeto de pouco desejo.

Na loucura ilógica que é me ser
Qualquer ensejo que seja
Faz-me crer que de nada valho.
Que ser iria querer-me como queria ser querida?

Na loucura mórbida de me ser
Já não sou.
Não sou porque não posso ser.


- Clarice Leopoldo Durão

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Solidão

Fiz da solidão meu porto seguro
Pois é ela que me abraça
Quando tudo fica escuro.
Pois com toda exatidão
Eu nunca estou só
Mesmo estando em solidão.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Um banho

A água fria
No corpo quente
Esfria a alma e
Acalma a mente

Quem nunca sentiu
Ao se banhar
Toda a energia
Ao corpo retornar?

A água correndo
Pela pele manchada
De um dia inteiro
Com as mãos na enxada

E enfim à noite
Depois de trabalhar
Se banha e se deita
E espera o sol raiar...

sábado, 4 de abril de 2015

Jasmim e o jardim

Todo dia Jasmim rega seu jardim
E tem flores tão bonitas, girassóis, cravos e afins
Todo dia um rapaz alegre no jardim de Jasmim
Distribui versos de amores sem fim
Para as belas flores do jardim de Jasmim.

terça-feira, 31 de março de 2015

Ei, eu!

A Vida, a Morte
O medo do forte

O sonho, o real
A chatice do normal

Morremos             Vivemos
Um pouco     e      Um pouco
Mais                      Menos
                                    Os momentos da vida real

Estranhos convivendo
(a sós) em amplas redes -
Sociais!?

Mais                  Menos
              com
contato              tato

E os sonhos continuam adormecidos...

terça-feira, 24 de março de 2015

No calor dos meus braços

PARTE I

            Já era manhã quando Artur abriu os olhos. Os raios de sol atravessando a janela o desejavam bom dia. Ele sorriu e olhou para a garota que estava com a cabeça no peito dele. Pensou que poderia viver o resto da sua vida ali, deitado, tendo apenas ela como bebida, comida, resto de vida. Ele seria alimento também. Os seus dedos seriam o café da manhã, pelo almoço, as costelas cairiam bem com seu suor e quando chegasse a noite, o sangue esquentaria o frio deixado pela tempestade.
            – Vem, Artur, – disse uma voz feminina – vem que o Chico tá esperando. Artur abriu os olhos e sacudiu a cabeça, desfazendo-se das lembranças. Olhou para a irmã e sorriu, levantando-se da cadeira e acompanhando-a.
            – E então, pra onde vamos mesmo? – Artur entrou no carro, cumprimentando Chico e a namorada dele, Daniela.
            – Lá pro Dom Quixote, o barzinho novo que abriu lá perto da praça. Lá você pode relaxar um pouco e esquecer por algumas horas da sua ex. – disse a irmã de Artur, sorrindo para ele.
            – Tá ok, Nanda, então vamos lá! – Artur beijou o rosto da irmã, que aconchegou no braço dele.
            A atmosfera do Pub era bem agradável. Luzes frias deixavam um tom de mistério no ar. Artur foi até o balcão e pediu uma cerveja. Sentou e ficou lá por algum tempo, enquanto Fernanda o chamava pra sentar à mesa, mostrando as amigas que acabaram de chegar. Uma música do Led Zeppelin tocava ao fundo, deixando o local ainda melhor, assim como o humor de Artur. Ele estava tão relaxado que nem percebeu o homem que sentara ao seu lado.
            – Parece que sua garota está esperando. – o homem sentado ao lado de Artur vestia uma camisa branca e preta. Ele tinha o cabelo cheio de ondas e a barba por fazer.
            – Aquela mocinha alegre me chamando? – Artur deu uma risada – ela é minha irmã. Tá louca pra eu ir conversar com as amigas dela.
            – Oh, entendi. E você ainda não foi...? – ao ver o rosto desinteressado de Artur o homem riu e se desculpou – Foi mal, cara, quer dizer, nós acabamos de nos ver e eu já te fazendo perguntas. Nem sequer me apresentei. – estendeu a mão – Prazer, Carlo. – Artur apertou a mão do homem e disse seu nome.
            Sentada na mesa com as amigas, Fernanda olhou na direção do irmão e se levantou, desculpando-se com as amigas. Foi até Artur.
            – Ei, cara, o que você tá fazendo? Tem uma garota ali doida pra te conhecer. – parou de falar quando percebeu que tinha interrompido a conversa. – Quem é seu amigo?
            – Sou Carlo. Não somos amigos.
            – Ok, então, não amigo do meu irmão, sou Fernanda. – e se virou pro irmão – agora porque você ainda está aqui?
            – Nanda, me dá só mais uns minutos, tá? Daqui a pouco eu apareço lá e conheço suas amigas. – disse Artur.
            – Vai mesmo? Não vai ficar aqui sentado com seu ‘não amigo’ e começar a falar de como sua ex era legal? – Fernanda disse, rindo.
            – Eu prometo que vou lá. Ok? Agora vai lá que são suas amigas, não minhas. – e deu um riso fraco.
            Fernanda beijou o irmão e olhou de lado pra Carlo, dando um meio sorriso com o canto da boca. Voltou à mesa e cochichou no ouvido de uma das amigas, olhando para os rapazes no balcão e dando risadinhas.
            – Parece que ela gostou de você, ‘não amigo’. – Artur riu e tomou um gole da cerveja. Carlo também riu e pediu uma cerveja pra ele também.
            – Acho que entendi porque você está aqui e não lá. Fim de namoro é fogo, né?
            Artur friccionou os lábios e olhou para o novo companheiro de balcão, acenando que sim com a cabeça. Contou a história do seu antigo namoro. Fazia 3 meses que tinha terminando com Luana e ainda não tinha ficado com ninguém. Talvez ainda esperasse que os dois voltassem. Mas sabia que não a amava mais, grande parte daquilo era só saudade. Só vontade de ter o corpo dela por cima do dele de novo e, embora não quisesse outro relacionamento, queria ter a sensação de outra garota dormindo em seus braços.
            – É ótimo quando alguém acorda em seus braços. – a voz de Carlo interrompeu os pensamentos de Artur, que só pode concordar. Levantou a garrafa de cerveja e os dois brindaram e depois beberam.
            – E você, Carlo? Tem alguém? Por que se não tiver, há mais de uma garota ali na mesa, podemos tentar a sorte. – Artur levanta e se arruma, pedindo outra cerveja e deixando pago as outras duas.
            – Vamos tentar a sorte, então! – Carlo pediu outra também e pagou. Ambos foram em direção à mesa das garotas e conversaram a noite toda.

domingo, 15 de março de 2015

Sonhei com ela

Quando sonho com ela
E até em sonho eu sonho
Um momento pra nós;

Quando o sonho com ela
É um sonho tão lindo
Sonhado a sós,

Então talvez esse sonho
Queira deixar os meus sonhos
E se realizar.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Se vento for

Vou me transformar em vento
Só pra bagunçar teu cabelo
E em gotas de vinho tinto
Pra te invadir boca adentro

Farei de mim refugio seu
Um abrigo do resto do mundo
Onda que te afasta da praia
Até que te afundes em mim

Serei infinito
Serei oceano
Serei impossível
Ano após ano...

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Nos corações alheios

Vamos deitar nos campos de Marte
Dar a volta correndo na Lua
Apreciar um bom vinho
Fazer dançar minha boca e a tua

Vamos colher as nuvens no céu
Igual se colhe algodão
E quando o medo te ocorrer
Eu seguro sua mão

E depois do fim do (i)mundo
Semearemos amores
Nos corações alheios

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Ode à ela

Eu passaria o dia te observando
Te tocando, te beijando
Passaria dias passeando
Na maciez de tua pele

Essa pele bronzeada
Que me queima o peito
Que me acende a chama
Ah... não tem jeito!

Tuas curvas
Já fizeram
Vários pilotos
Se perderem