Parte II
Quando
entrei me peguei atravessando um longo corredor iluminado por alguns lustres
que piscavam entre luz forte e fraca. Eu realmente merecia aquilo? Estava
começando a me irritar com aquilo, por que a luz não ficava ou forte ou fraca?
Tinha que ficar piscando? Mas então percebi que tudo ali tentava me irritar,
tentava me tirar do caminho e me levar de volta ao começo, como eu sabia que
poderia.
Respirei e
fui aos poucos recuperando a paciência, mas ainda vez ou outra pensava se a
porta ao lado teria sido a melhor escolha, ou quem sabe a da esquerda? Balancei
a cabeça e me centrei no caminho. As paredes agora exibiam flashes de minhas
melhores memórias com ela. Ai! Se tem algo que pode derrubar qualquer cara
apaixonado, mais que cacos de vidro ou navalhas num vendaval, são as memórias
do amor que nutrimos pelo tempo que passamos juntos!
Quis me
ajoelhar e chorar ali naquele chão liso, confesso que quase desisti. Mas sabia
que o único jeito de conseguir o perdão seria enfrentando todo aquele tormento
na minha cabeça, todo aquele pequeno Inferno pelo qual estava passando.
Precisava terminar aquela expiação, pois nenhuma dor física é maior que a se
causa ao coração de outra pessoa.
Atravessei o
corredor com os olhos úmidos e o peito apertado. Engraçado, eu que sempre
acreditei que o coração não sentia isso agora estava sofrendo com uma dor no
peito: saudade! Vontade louca de correr de volta pros braços dela, de olhar bem
fundo naqueles olhos castanhos e vê-los sorrindo de volta para mim. Dividir
aquela felicidade que só existia quando estava com ela. Talvez se tivesse
entrado na outra porta isso não acontecesse...
A extensão
do cômodo parecia não acabar, mesmo eu tendo caminhado já por algum tempo. Não
havia portas, nem janelas, nenhuma fresta sequer para entrar um ar. Ao invés
disso, tubulações soltavam um ar frio por cima, que só não me congelava por
pouco. Será que existia ar quente depois das outras portas? Será que existia
alguma janela, alguma cama onde eu pudesse descansar? Não! Não é por isso que estou
aqui, vagando silencioso nessa interminável caminhada. Aqui tenho que aprender
a ser paciente, decidido, deixar meu orgulho de lado e não pensar só no que eu
quero, ou no que eu tenho. Chega de tanto ‘eu’!
Em um trecho
desse corredor sem fim começo a encontrar espelhos e ao me olhar neles vi a
minha face e confesso que me deliciei ao me ver. Um homem de olhos escuros, com
um nariz levantado e um sorriso orgulhoso na boca cheia de dentes brancos. O
cabelo impecável e a roupa que parecia brilhar. Então passei ao próximo espelho
e ao que vi preferi o outro, aquilo era realmente eu?
Eis uma breve descrição do segundo espelho:
‘Os olhos eram negros, a boca quase não tinha dentes.
Embora por fora parecesse o mesmo, o espelho mostrava um interior
desgastado, vazio de compaixão e cheio de rancor.
Era mais frio que todo o ar congelante do local.
E o coração era puro gelo.
‘Os olhos eram negros, a boca quase não tinha dentes.
Embora por fora parecesse o mesmo, o espelho mostrava um interior
desgastado, vazio de compaixão e cheio de rancor.
Era mais frio que todo o ar congelante do local.
E o coração era puro gelo.
Ao que
parece os espelhos mostram o que somos e o que pensamos ser e agora eu vi
realmente o que sou, e consequentemente o quanto preciso concluir essa penitência.
Eu preciso mudar rapidamente.
Os espelhos
foram desaparecendo e voltaram os flashes, mas agora não dos momentos felizes
que tive com ela e sim das vezes que a feri com palavras duras e atos rudes.
Era esse o homem do primeiro espelho, que escondia sob uma máscara sorridente a
sua face orgulhosa e feia. Caio de joelhos. Uma recaída logo agora. O sangue
escorre pelas feridas abertas. Por que não deito logo aqui? Por que não desisto
e deito e durmo até não mais sentir o ar?
Porque eu
não posso! Porque tenho que continuar! Recaídas sempre existem. Talvez façam
parte da penitência. Passe por cima delas. Volte ao topo, mesmo demorando. Há
agora uma luz ao final desse corredor, uma linha fina e clara de luz branca:
uma porta entreaberta! Finalmente enxergo a saída desse longo caminho estreito.
Aumento as passadas até chegar na porta, mas logo entristeço ao ver o que o que
há atrás dela...