sábado, 19 de outubro de 2013

Penitência

Parte II

  Quando entrei me peguei atravessando um longo corredor iluminado por alguns lustres que piscavam entre luz forte e fraca. Eu realmente merecia aquilo? Estava começando a me irritar com aquilo, por que a luz não ficava ou forte ou fraca? Tinha que ficar piscando? Mas então percebi que tudo ali tentava me irritar, tentava me tirar do caminho e me levar de volta ao começo, como eu sabia que poderia.
  Respirei e fui aos poucos recuperando a paciência, mas ainda vez ou outra pensava se a porta ao lado teria sido a melhor escolha, ou quem sabe a da esquerda? Balancei a cabeça e me centrei no caminho. As paredes agora exibiam flashes de minhas melhores memórias com ela. Ai! Se tem algo que pode derrubar qualquer cara apaixonado, mais que cacos de vidro ou navalhas num vendaval, são as memórias do amor que nutrimos pelo tempo que passamos juntos!
  Quis me ajoelhar e chorar ali naquele chão liso, confesso que quase desisti. Mas sabia que o único jeito de conseguir o perdão seria enfrentando todo aquele tormento na minha cabeça, todo aquele pequeno Inferno pelo qual estava passando. Precisava terminar aquela expiação, pois nenhuma dor física é maior que a se causa ao coração de outra pessoa.
  Atravessei o corredor com os olhos úmidos e o peito apertado. Engraçado, eu que sempre acreditei que o coração não sentia isso agora estava sofrendo com uma dor no peito: saudade! Vontade louca de correr de volta pros braços dela, de olhar bem fundo naqueles olhos castanhos e vê-los sorrindo de volta para mim. Dividir aquela felicidade que só existia quando estava com ela. Talvez se tivesse entrado na outra porta isso não acontecesse...
  A extensão do cômodo parecia não acabar, mesmo eu tendo caminhado já por algum tempo. Não havia portas, nem janelas, nenhuma fresta sequer para entrar um ar. Ao invés disso, tubulações soltavam um ar frio por cima, que só não me congelava por pouco. Será que existia ar quente depois das outras portas? Será que existia alguma janela, alguma cama onde eu pudesse descansar? Não! Não é por isso que estou aqui, vagando silencioso nessa interminável caminhada. Aqui tenho que aprender a ser paciente, decidido, deixar meu orgulho de lado e não pensar só no que eu quero, ou no que eu tenho. Chega de tanto ‘eu’!
  Em um trecho desse corredor sem fim começo a encontrar espelhos e ao me olhar neles vi a minha face e confesso que me deliciei ao me ver. Um homem de olhos escuros, com um nariz levantado e um sorriso orgulhoso na boca cheia de dentes brancos. O cabelo impecável e a roupa que parecia brilhar. Então passei ao próximo espelho e ao que vi preferi o outro, aquilo era realmente eu?

Eis uma breve descrição do segundo espelho:
‘Os olhos eram negros, a boca quase não tinha dentes.
Embora por fora parecesse o mesmo, o espelho mostrava um interior
desgastado, vazio de compaixão e cheio de rancor.
Era mais frio que todo o ar congelante do local.
E o coração era puro gelo.

  Ao que parece os espelhos mostram o que somos e o que pensamos ser e agora eu vi realmente o que sou, e consequentemente o quanto preciso concluir essa penitência. Eu preciso mudar rapidamente.
  Os espelhos foram desaparecendo e voltaram os flashes, mas agora não dos momentos felizes que tive com ela e sim das vezes que a feri com palavras duras e atos rudes. Era esse o homem do primeiro espelho, que escondia sob uma máscara sorridente a sua face orgulhosa e feia. Caio de joelhos. Uma recaída logo agora. O sangue escorre pelas feridas abertas. Por que não deito logo aqui? Por que não desisto e deito e durmo até não mais sentir o ar?

  Porque eu não posso! Porque tenho que continuar! Recaídas sempre existem. Talvez façam parte da penitência. Passe por cima delas. Volte ao topo, mesmo demorando. Há agora uma luz ao final desse corredor, uma linha fina e clara de luz branca: uma porta entreaberta! Finalmente enxergo a saída desse longo caminho estreito. Aumento as passadas até chegar na porta, mas logo entristeço ao ver o que o que há atrás dela... 

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