sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A filha que não existiu

            Ana acordou suando naquela manhã de sexta-feira. Lembrava do sonho horripilante que tivera na noite passada e não parava de pensar nele. Enquanto se arrumava, ouvia claramente uma risadinha infantil, maldosa, de criança que acabou de aprontar. Precisava ir à aula e já estava atrasada.
            Arrumou-se rapidamente e cantarolou alguma canção, na tentativa de esquecer o sonho. Mas ela sabia que, de acordo com o que sonhara, o pior ainda estava por vir. Trancou a porta de casa e encarou o corredor que levava até a escada. Podia ouvir o próprio coração bater. De novo todas as lembranças do sonho voltaram à cabeça dela e o nervosismo tomou conta de Ana.
            Respirando fundo, ela deu o primeiro passo, e como não ouviu nada, deu o segundo. Caminhou devagar até chegar no primeiro (ou último) degrau da escada. Desceu um e parou de repente: era a risada de novo. Aquela risadinha de criança sapeca, que acabara de aprontar. Com o coração aos pulos, Ana desceu mais um degrau e dessa vez foi pior: sentiu um sopro leve na nuca. Por mais que Ana soubesse o que viria a seguir, não conseguiu se conter.
            Virou devagar e, ao se deparar com aquela menina, aquela mesma que invadiu seus sonhos, não conteve um grito de terror. A menina usava um vestido todo vermelho, tinha a pele branca como leite e dos seus olhos saíam sangue escuro. Os cabelos, sem nenhuma coloração, só afirmavam o que Ana sabia: aquela garotinha não tinha vida. Ana não conseguia mover o corpo e sem mais nem menos, a linda menina tocou-a na mão. O que queria? Será que Ana tinha pego algo dela?
            A menina retirou a mão da mão da vítima e se afastou devagar, o rosto completamente mudado. Ana agora podia se mover, mas não adiantou muito. O medo foi tão grande que ela não viu o degrau e tropeçou no vazio, caindo bolando na escada, até bater com a cabeça no chão. A última visão dela foi aquele vulto vermelho sumindo no ar, como some a fumaça quando se dissipa. Ana, enfim, livrou-se do medo.

O beijo e a cerveja

A cerveja é como o beijo:
Vai de uma boca à outra
Provocando sensações

Gelada no começo
Ela esquenta gradualmente
Enquanto batem corações

Cada gole, como o beijo
Desce pela garganta
E invade o outro ser

Cada beijo, fogo intenso
Incendeia o corpo alheio
De quem dele quer beber