domingo, 27 de maio de 2012

Um desejo realizado



Ele estava nervoso ao sair de casa. Encontrar-la-ia aquela noite. Ela, que ele tanto gostava (e gosta), iria dizer naquela noite, que também gosta dele, mas ele ainda não sabia. Assim que chegou ao lugar esperado, ligou para ela, avisando que tinha chegado. Subiu as escadas, o coração palpitando de tão nervoso que estava. Sentou numa cadeira e ficou imaginando o que dizer. Como dizer. Embora tivesse passado semanas imaginando a resposta dela de várias formas, ainda não sabia qual seria a resposta. Olhou pela janela, mas não a viu chegando. Até que recebeu uma mensagem. Uma mensagem dela, dizendo que já tinha chegado. O coração bateu mais rápido, bem acelerado. Até por que era tudo novo para ele. Ela apareceu ali, na sua frente, e ele foi de encontro a ela. Abriu com um barulho a porta que dava para a parte do terceiro piso em que acima deles só ficassem as estrelas a brilhar e a lua a sorrir... Conversaram durante horas. Ele a contava o quanto imaginou aquele momento nas duas semanas passadas. Desde que admitiu gostar dela. O quanto ansiava para que o dia chegasse logo. Trocaram olhares, sorrisos, afagos... E depois de muito conversar, ela então, com um sorrisinho tímido e com as mãos no rosto, deu sua resposta 'sim'. Ele perguntou de novo, não sei se para ter certeza, ou se porque não ouviu, mas perguntou. E quando ela repetiu, foi como se um peso fosse tirado de cima dele. Como se realmente os sonhos que ele teve acordado pudessem se realizar. Embora ele soubesse que para realizar ele tinha fazer porque realizar. E ele fez. Eles se abraçaram por um longo tempo. E aquele beijo que ele tanto imaginou, que ele tanto ansiou, veio. Veio com uma risada e um pedido de desculpas por parte dele. Mas depois voltou. E dali em diante, os dois passaram mais horas juntos. Falando um ao ouvido do outro, colados. E trocaram carícias, olhando o céu estrelado, como se aquele momento não fosse acabar. E não ia, a menos que eles quisessem. E eles não queriam. Não queriam que acabasse.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Uma rosa inglesa



Na cidade de Liverpool, Isa caminhava por entre os campos floridos, sorrindo e cantarolando uma canção dos Beatles. Seu cabelo era curto, não tinha seios grandes, mas seus grandes olhos castanhos compensavam. Vez ou outra acendia um cigarro, ia em raves, dormia na casa de amigos, ficava com alguns e os deixava pra trás. Tinha o desejo de ser livre. Era vaidosa, como qualquer garota, mas não pra passar horas na frente do espelho. Seu rosto era bem bonito: nariz pequeno, olhos grandes (que já citei) e uma boca do tamanho certo de um beijo - mas qual seria o tamanho de um beijo? - Suas roupas, quase todas, tinham sempre o toque dela. Cortava uns vestidos longos, que ficavam melhor mostrando suas pernas, rasgava algumas calças... Seu corpo era magrinho, mas muito bom de apertar - e contra a parede então... Não chamava a atenção só de garotos, até porque não dava atenção só a garotos. Seu espírito era de aventura. Suas mente era uma aventura. Ela era como uma rosa: cheirosa e delicada, mas se tentasse pisar nela, furava-os com seus espinhos. Quando se trancava no quarto tirava toda a roupa e se olhava de cima a baixo no espelho. Imaginava-se de outras formas, talvez com mais curvas aqui e ali, cabelos longos, pele mais clara. Embora fosse bonito, não tinha muito gosto pelo corpo. Mas de tanto se olhar e de se imaginar de outro jeito, percebeu que o que a fazia sexy era o fato de ser daquele jeito. Sabendo bem o que encaixar no seu corpo magrinho, como ela sabia. Depois deitou na cama e apertou o travesseiro contra os seios e fechou os olhos.

Crônica do Amor


Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta.
O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.
Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais.
Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.
Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.
Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco.
Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no
ódio vocês combinam. Então?
Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.
Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a
menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo.
Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama
este cara?
Não pergunte pra mim; você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor.
É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura
por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível.
Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?
Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.
Não funciona assim.
Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível.
Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó!
Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é a maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa.

(Arnaldo Jabor)

quinta-feira, 10 de maio de 2012

A última dama


   Ele chegou às quatro da tarde naquele grande hotel que mais parecia um castelo. Olhou pros lados mas não viu ninguém para recebê-lo. Abriu a porta e foi procurar alguém na recepção: de novo, ninguém. Encontrou apenas uma chave em cima da bancada. Pegou a chave e entrou no elevador. Chegando no corredor do seu quarto, sentiu uma presença forte no fim dele. Era como se alguém olhasse pra ele pela brecha da porta. Caminhou até lá, mas quando chegou viu a porta fechada. Estranho, já que ele jurou que estava aberta. Entrou no seu quarto e foi dormir um pouco. Ouviu passos e música bem baixos, que certamente vinham do salão. Desceu até lá e abriu as portas, mas não viu ninguém.
    Já eram sete da noite e ele estava deitado, quando ouviu um sussurro "acorda, dorminhoco", e pulou da cama, literalmente. Não viu ninguém no quarto. Saiu pelo corredor até a porta do quarto que vira entreaberta mais cedo. Estava como ele tinha visto antes. Com um empurrão a abriu e tomou um susto: ele viu a si mesmo, sentado na cama, olhando para ele. O outro 'ele' usava um terno, com gola bufante, luvas brancas de látex e calça e sapato social. Desmaiou ali mesmo e acordou numa cadeira, onde no salão uma banda tocava e pares de casais gêmeos dançavam ali. Era uma valsa. E todos dançavam suavemente ao tom doce da melodia. Mas ele ficou inquieto, pois nenhum corpo exalava sinal de vida ou calor. Estavam todos mortos, inclusive ele, que sem nenhuma emoção levantou da cadeira, puxou a última dama e se pôs a dançar com ela.