terça-feira, 29 de setembro de 2015

O armário 27

            Um clima estranho encobria o colégio nesse dia 4 de Julho. Acontece que há sete meses uma das estudantes foi assassinada aqui e dentro e teve partes do corpo encontradas dentro do seu armário. O resto dele ninguém nunca encontrou. Eventos estranhos vêm ocorrendo desde então, como gritos e suspiros altos demais pelos corredores. Eu estudo à noite e fico sempre assustada, e não sou a única: algumas amigas já afirmaram ouvir também os gritos. Nunca tivemos coragem de seguir as vozes, mas alguns alunos dizem que elas vêm do corredor A2, onde ficam os armários de 21 a 30.
            A professora apresentou um novo aluno, Alberto, e o mandou entrar e sentar na carteira próxima a minha. A carteira dela. Não sei se mais alguém notou, mas a professora tinha malícia nos olhos ao olhar Alberto. Ao sentar, uma chave caiu do seu bolso, “a chave dela”, pensei. Era o armário que Jéssica usava. Desde a morte dela ninguém tinha usado o armário 27. Estranho, porque já entraram seis outras meninas depois da morte dela, e o 27 só foi dado a ele.
            No decorrer da aula eu percebi os olhares trocados entre Alberto e a professora. Tudo bem que ela não era velha, mas tinha idade o bastante pra já ser a mãe dele. O que significa essa troca de olhares? Por que só dera a chave do armário 27 a ele? No fim da aula eu terei uma conversa com ela. Tem algo aqui que não parece certo.
            Faltam dez minutos para o fim da aula e a professora acaba de chamar Alberto para ir com ela até o armário, já que era o primeiro dia dele ali. Mas não me lembro de ela ter levado as meninas pra irem até o armário no primeiro dia de cada uma. Definitivamente tem algo estranho. Levanto-me e saio da sala também, no encalço dos dois. Virando a primeira curva nos diversos corredores da escola, começo a ouvir os gritos de Jéssica. “Dessa vez eu vou sigo em frente”, penso, e, devagar, coloco um pé a frente do outro e vou.
            Finalmente chego à última curva e, enquanto isso, os gritos se confundem com gemidos de dor e queixas. Também se confunde com a voz da professora, e outra voz... Meu coração bate forte, quase fazendo barulho ao me lembrar dessa voz. É a voz de Jéssica. Junto com a da professora, em uníssono. “Achou que mudar o cabelo e emagrecer alguns quilos faria eu me esquecer de você, seu escroto de merda? EU ME LEMBRO!” Sim. É ela com certeza. Embora eu esteja assustada de mais para olhar, reconheceria a voz dela em qualquer circunstância.
            Minhas mãos tremem e eu suo frio enquanto aquela presença invade aos poucos minha cabeça. Agora eu entendo tudo! Os olhares, a malícia, a preferência... Alberto é o assassino de Jéssica, e ela o atraíra até ali pra se vingar. “Deixe aqui apenas o coração”, diz a voz dupla. Crio coragem e coloco parte do rosto no espaço vazio à direita e vejo uma cena que nunca mais esquecerei: a professora rasgara a pele do próprio rosto, mostrando a carne sangrenta e uma boca enorme com dentes afiados. Alberto se debate e tenta gritar, mas sua voz não sai, a mão do monstro o sufoca. As unhas dela são como afiadas e pontudas navalhas, e ela as enfia sem dó na caixa torácica do assassino, arrancando seu coração e colocando-o dentro do armário, saindo em seguida, com o corpo nos braços.
            Estou aterrorizada com tal cena, minhas pernas tremem e meu coração pula no peito. Mas mesmo assim minha curiosidade foi maior e caminho, agora, vagarosamente, até o armário 27. Não está trancado. Abro-o devagar e o que vejo é assustador. Dentro dele há um espelho que, em vez de refletir meu rosto, reflete o rosto de Jéssica devorando o coração sangrento de Alberto.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Fora da maleta

     Jonas corria na escuridão sob a chuva fina que caía quente. Com uma maleta em mãos, nem sequer olhava para trás, com medo de ver os olhos brancos que o perseguiam desde que saíra da escola, horas atrás.
     Quando recebeu a maleta e aceitou carregá-la até o endereço destinado, não imaginou que seria perseguido ou correria algum risco. "Dentro desta maleta mora o segredo da vida" disse o homem vestido de branco, quando confiou a maleta a Jonas, "somente quem é digno e de consciência limpa conseguirá entregá-lo ao destinatário e ver o que tem dentro dela." Ah, pobre Jonas. Esse é o mal de todo ser humano: sempre se acha digno de alguma coisa neste mundo.
     As palavras do homem pareciam tomar todo o pensamento de Jonas, enquanto sua respiração pesada tentava abafar aquela voz rouca. Durante o percurso, lembranças vinham à tona e Jonas se assustava com elas. Eram todas as vezes em que ele machucara as pessoas que o amavam. Pessoas talvez até mais hábeis que ele de carregar a maleta. E a cada lembrança os olhos brancos se aproximavam.
     Repentinamente, Jonas parou. De olhos fechados e assombrado pelas memórias, soltou a maleta e esperou ser pego pelo que fossem aqueles olhos brancos. Quando os abriu de novo uma imensidão de branco o rodeava, quase cegando-o, e, a alguns metros, lá estava o homem de branco, olhando para Jonas. E por toda a extensão de branco outras pessoas também o olhavam. Jonas se aproximou do homem e perguntou o que havia dentro da caixa. Sorrindo, ele respondeu: "Por que acha que estamos todos aqui? Ninguém nunca foi capaz de entregar a maleta. Todos se acharam dignos, puros, mas ninguém quis enxergar os próprios erros até que esses foram jogados em nossas caras. E muitos ainda tentarão, e muitos mais falharão. Até que ninguém mais se preocupe em descobrir esse segredo. E então, só aí, ele se revelará ao mundo."

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Em linha reta

Livre e leve como uma pluma
Indo e vindo com o vento
Volta e meia vai ao chão
Inda que só por um momento
Ah!, queria eu ser essa pluma
Leve e livre céu adentro
Imagino até a cena:
Meu corpo virando pena
Alegrando o céu cinzento.