sábado, 5 de outubro de 2013

Uma bela vista

            O sol já tinha nascido quando uma mulher avistou alguém em cima de um prédio, sem camisa, olhando para longe. Não viu nada de estranho no início: “acordou cedo e quis olhar a cidade de cima” ela pensou. Logo outras pessoas também notaram o homem – assumiram que era um homem pelo peitoral – que não se movia lá em cima.
            Com um tempo a polícia chegou e com ela alguns repórteres e muitos outros trabalhadores pararam para acompanhar a situação que se passava. Boatos de que o homem planejava se matar foram chegando cada vez mais alto aos ouvidos de uma repórter, que feliz por ter conseguido chegar primeiro ao local, logo soltou para a equipe na redação que o homem era cheio de problemas pessoais, ou algo do tipo, fato que foi confirmado por “amigos” da família, pessoas que por estarem em frente a uma câmera assumiram esta responsabilidade.
            De repente uma mulher apareceu e todos, pela cara que fizeram, assumiram que era a esposa dele. Talvez fosse pedir perdão, ou então perdoar. Iria dizer a ele que os dois poderiam viver ainda muito tempo juntos, que ele não precisava fazer nada daquilo. E que tudo ficaria bem depois e todos poderiam voltar para suas casas. Mas não. A mulher que apareceu vestida acabou ficando ao lado dele, olhando pro mesmo ponto perdido, encostada no parapeito.
            Então a tensão recomeçou e agora a história ganhava novo personagem – e uma nova versão: “casal apaixonado decide viver unido para a vida eterna”. Agora, a história que era um drama egoísta passa a ser um romance romântico, daqueles que os sentimentais sempre choram no final. Vendo que o único jeito de fazê-los descer era subindo, um dos policiais tomou a dianteira e entrou no prédio.
            Pouco tempo depois estavam os três lá em cima, na beira da cobertura, observando o céu, aquela beleza azul para onde os três supostamente planejavam ir. Sim, nem mesmo com o oficial subindo para convencê-los, eles não desistiram da ideia. Pelo contrário: agora o policial também tinha decidido cometer o suposto suicídio. Lá embaixo todos ficavam mais apreensivos a cada minuto que se passava.
            Cada vez mais histórias eram criadas. Uns diziam que o homem era um psicólogo psicopata, que convencia seus clientes de que a vida não valia à pena. Que a felicidade seria encontrada apenas na morte, no mergulho para o eterno nada. Ou tudo. Quem sabe? Então um movimento que chamou todos os olhares para cima de novo: o tenente Rocha colocou um pé entre os apoios do parapeito e começou a acenar com as mãos. Ninguém sabia o que ele queria decerto, aceitaram que era um pedido para se afastarem. Eles iam pular e ele seria o primeiro.
            Todos esperavam que o mais novo pretendente a suicida saltasse de braços abertos para a liberdade. Como um pássaro que voa entre as correntes de vento, mas nesse caso não existiam asas. A gravidade o puxaria de vez para sua morte. E quando todos, tristes e ansiosos com aquilo, abriram espaço no meio da rua, viram que o policial tinha descido do parapeito e que o homem e a mulher tinham sumido de vista. O que será que aconteceu? Desistiram?
            Pela porta saía um homem de uniforme e óculos escuro, sorrindo para todos. Quando abordado pelos repórteres, ele respondeu:
            – Ninguém pretendia cometer suicídio, não. Estávamos todos enganados, ainda bem.
            – Mas e o que foi aquilo tudo lá em cima? Todos já tinham aceitado a ideia de que o senhor seria o primeiro a saltar, todos esperavam por isso. O que aconteceu lá em cima? – perguntou um repórter.

            – Não, não. Ninguém ia pular. Acontece que a vista é linda lá de cima. – disse o policial, sorrindo, voltando pro carro.

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